Alberto Augusto Linhares Vidal
O Sr. Alberto Vidal, nascido em 15 de Fevereiro de 1930, é a alma da ASE – Associação de Solidariedade Estarrejense.
Aos 87 anos, 38 dos quais à frente da instituição, vai delegando funções, mas está sempre presente. Enérgico e digno. A contrariar quem acha que a força de vontade está só na juventude e a reafirmar, diariamente, que a juventude é que está na força de vontade. A fazer de conta que não se desilude com os pormenores da vida actual, onde tudo é tão rápido que nem sempre temos tempo para dar um bocadinho de atenção a quem a merece. Sempre gentil. E a incentivar quem com ele lida a fazer o seu melhor e a não se deixar abater pelas dificuldades. Quando nos queixamos do trabalho que dá fazer alguma coisa de jeito ou de que ninguém dá valor a nada, diz-nos muitas vezes o que o seu antigo treinador de futebol, Artur Baeta, lhe dizia: “Há sempre alguém que vê”.
O futuro de Alberto Vidal ficou traçado no dia em que o pai faleceu, tinha ele 17 anos.
Terminado o Curso Complementar de Comércio no Colégio Egas Moniz, em Estarreja e realizado o exame na Escola Mouzinho da Silveira, no Porto, era sua intenção emigrar para Lourenço Marques, Moçambique. Com a morte do pai foi, na sua vez, Mário Duarte da Silva Moutela chefiar os Serviços Municipalizados da cidade que viria a ser a actual Maputo.
Aos 17 anos, ficou, assim, à frente dos destinos da “Alberto Augusto de Figueiredo Vidal e Filhos, Lda”, armazém de distribuição a retalhistas, com sede na Rua Dr Souto Alves, que operava desde Estarreja até ao limite de Viseu e Vila Nova de Gaia, numa altura em que, devido ao regime de ditadura em que Portugal vivia, os alimentos eram distribuídos por senhas à população.
Esteve sempre envolvido com a sua terra e fez o que esteve ao seu alcance para tornar Estarreja melhor.
Jogou futebol no CDE – Clube Desportivo de Estarreja desde os 15 anos.
Saía do Colégio e ia trabalhar na construção e regularização do campo de futebol. No inverno, o muro de suporte da parte sul e nascente do campo ruía todos os anos. Com os amigos, levou a cabo uma campanha para a construção desse muro, segundo os cálculos do seu amigo Fernando Oliveira Lemos, que se viria a tornar num dos grandes nomes mundiais da engenharia hidráulica.
Alberto Vidal foi director de várias comissões administrativas do CDE e, para pagar as contas, organizou várias iniciativas de angariação de fundos, entre sorteios de rifas que chegaram a ter como prémio um FIAT 800; a bailes na antiga sede do clube, situada no primeiro andar do edifício da Rua Jornal de Estarreja, onde funcionava, também, no rés-do-chão, a sede dos bombeiros e onde hoje está instalada uma escola de línguas.
Os Bombeiros Voluntários de Estarreja são outra das suas paixões. Morava em frente à sede e a mãe tinha a chave para abri-la quando o quarteleiro demorava, pois este morava longe e era necessário acudir rapidamente a quem precisava.
Alberto Vidal conduziu veículos ligeiros e pesados da corporação quando era necessário ir socorrer alguém, mesmo antes de ter carta de condução. E fê-lo ainda em idade tão precoce que para chegar com pés ao acelerador e travão tinha de se por quase de pé. O que hoje seria impensável, na altura era uma necessidade e não chamava muito a atenção até porque nem todos os comandantes tinham habilitações para conduzir.
Fez parte do corpo activo dos bombeiros sempre como motorista.
Foi director dos Bombeiros em vários mandatos, entre eles o que abrangeu a construção do antigo quartel, na altura em que o Comandante era Armando Couto.
Para arranjar dinheiro para a sua construção, pediu ao falecido Cônsul de Portugal em Sevilha, Ernesto Marques de Oliveira e Silva, que redigisse uma carta para enviar ao Papa Paulo VI. E o Santo Padre respondeu, enviando uma “Benção Papal”, que foi reproduzida e vendida por cerca de 100 escudos aos peregrinos que vinham de Fátima.
A venda da “Benção Papal” e os “auto-stops” foram a fonte de receita que permitiu pagar grande parte do primeiro quartel dos B.V. de Estarreja.
Alberto Vidal foi tesoureiro da “Casa dos Pobres”, que funcionava em instalações cedidas gratuitamente pelo falecido Dr. Henrique Albuquerque Souto, que se situavam na antiga Rua da Vila, ao lado da casa deste, entretanto demolida para dar lugar ao edifício “Desembargador”.
A “Casa dos Pobres” nasceu na sequência da 2ª Guerra Mundial e foi fundada por um grupo de amigos, entre os quais o Dr. Manuel Figueiredo (Médico), Dr. Henrique Souto (Advogado), Dr. António Madureira (Médico Veterinário), Alberto Vidal, Padre António Martins Belém, António Maria Ferreira (mais conhecido por “Sr. Ferreira da Farmácia”), Dr. Tomaz Oliveira e Silva (Conservador do Registo Civil), Dr. Casimiro Tavares (Advogado), Sr. Alcino Monteiro (Comerciante) e Sr. António Mortágua (funcionário da antiga fábrica dos curtumes Antuã), entre outros.
O armazém gerido por Alberto Vidal fornecia a cantina onde eram servidas, diariamente, cerca de 250 sopas ao almoço e outras tantas ao jantar. A “Casa dos Pobres” levava alimentos a casa dos idosos e pessoas sem possibilidades de se deslocarem. Nessas visitas era patente as condições miseráveis em que muitas pessoas viviam, sobretudo na zona do Esteiro de Estarreja.
Foi para fazer frente às condições degradantes em que viviam muitas famílias de Estarreja que a ASE nasceu, em 1979.
Alberto Vidal também se envolveu no Centro Recreativo de Estarreja, que funcionava no edifício que hoje é a “Casa da Cultura”, que estava para ser demolida, por se apresentar em ruínas.
A Comissão do Centro Recreativo resolveu pôr mãos à obra e executar os trabalhos de recuperação. O Centro Recreativo foi sempre a sala de visitas do concelho de Estarreja, onde reuniam os influentes comerciantes do concelho e recebiam os colegas vindos de todo o país, quando Estarreja era um importante centro de transacções comerciais. Chegava a vir gente do Algarve vender polvo e figos e comprar sal marinho e adubos do Amoníaco Português para a agricultura.
Quem rivalizava com o Centro Recreativo era o Grémio, que se situava na Praça (por cima do que hoje é uma loja de produtos de cabeleireiro) e onde se reuniam as pessoas de classes sociais mais elevadas. Porém, os bailes do Grémio terminavam pelas 2 da manhã, o que fazia com que o Centro Recreativo acolhesse ainda mais gente, tendo em conta que os seus bailes terminavam já com o sol alto.
O Centro Recreativo tinha uma intensa actividade cultural que passava pelo teatro, concursos de fantasias de Carnaval, organização do Carnaval Infantil ou a organização do Dia Mundial de Criança.
Foi o Centro Recreativo e o CDE que organizaram e levaram a palco a revista “Nada de Confusões”, representada no Cine Teatro de Estarreja e no Cine Teatro de Aveiro, na qual surgiu o actual hino do CDE, que o conjunto Escala 5 interpreta habitualmente.
Depois do edifício estar recuperado e a funcionar, a Câmara Municipal, por volta de 1981, decidiu tomar posse administrativa do local. As atividades do Centro acabaram. Muitos anos depois, as partes chegaram a acordo em tribunal e o Centro Recreativo recebeu uma indemnização, abrindo na sua actual localização.
A par das suas actividades profissionais e sociais, Alberto Vidal foi um resistente contra a ditadura. Participou no Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Para defender uma senhora que se encontrava no passeio, foi atacado por um dos cães que o Governador Civil Vale Guimarães tinha mandado colocar nas ruas para amedrontar os participantes.
Depois de participar nas reuniões clandestinas que se realizavam na “Pensão José Biça”, perto da antiga praça do peixe em Aveiro, veio muitas vezes a pé, pela linha do comboio na companhia do falecido Dr. José Oliveira e Silva. Era na casa deste último e nos armazéns do sal no Esteiro de Estarreja que as reuniões antifascistas por cá se realizavam.
Foi fundador do MDP-CDE (Movimento Democrático Português-Comissão Democrática Eleitoral) e, enquanto membro desse então movimento, andou, de porta em porta a recensear pessoas para votar nas eleições de 1975. Talvez por isso, muitos no concelho o julgavam “comunista”.
Na realidade, Alberto Vidal nasceu numa família dividida entre Republicanos e Conservadores. Sempre teve simpatia pelos primeiros, na senda do seu tio avô, irmão da sua avó paterna, Dr Alberto Vidal, que foi Governador Civil de Aveiro e, em 1921, foi eleito Deputado pelo Partido Democrático, tendo chegado a exercer o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados.
Com José Manuel Costa, Alcino Monteiro, Dr. Tomás Oliveira e Silva e José Luis Vidal, fez parte da Comissão Administrativa que geriu a Câmara Municipal de Estarreja, no período 1974-1975.
Nunca mais teve qualquer ligação partidária.
Em 1979 nascia a ASE, sendo ele o seu principal impulsionador.
Entre 1995 e 2001, chefiou o projecto “INOVAR ESTARREJA”, lançado pela Câmara Municipal de Estarreja, na altura liderada por Vladimiro Silva, ao abrigo do qual foi possível recuperar 136 casas degradadas e dar condições mínimas de habitação a famílias carenciadas, com recurso a mão-de-obra fornecida pelas famílias beneficiadas.
Por sua iniciativa, em 2005, o Bairro Social da Teixugueira — quando ninguém mais quis o bairro por considera-lo de difícil governabilidade — ficou a pertencer à ASE e continua a garantir habitação social.
Pela sua acção, diária e sistemática, ao longo de quase quatro décadas, a ASE tornou-se responsável por cerca de 70% da habitação social do concelho.
Em 2004, a Câmara Municipal de Estarreja atribuiu-lhe a Medalha de Ouro do concelho, distinção que é conferida a personalidades que se tenham distinguido por excepcionais qualidades de inteligência, acção e benemerência ou por importantes serviços prestados ao Município.
Esta é uma pequena parte da vida do presidente desta instituição, que não seria certamente possível se não tivesse ao lado dele a mulher com quem se casou há 63 anos, Dª Lisete, que lhe foi garantindo a retaguarda que lhe permitiu levar a cabo o que aqui está escrito, bem como os filhos, uma das quais, Liseta, muito tem ajudado a associação nas candidaturas que apresenta a apoios da comunidade empresarial, que tem sido a maior ajuda financeira que a ASE recebe.
Foi certamente a pensar em homens como o Sr Alberto Vidal, que Bertolt Brecht escreveu: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida e, estes, são imprescindíveis.”
Ao Imprescindível Alberto Augusto Linhares Vidal, que aproveita cada um dos seus dias a trabalhar a favor de um mundo melhor, fica a profunda admiração de todos os que com ele trabalham e a quem ele inspira.
O seu treinador de futebol, que tanto admira, tinha razão no que lhe dizia. Mas em relação a si enganou-se por defeito: há, felizmente, muitos que vêem o que Alberto Vidal tem feito.
Em nome de todos os que tiveram a sua vida facilitada devido à sua acção, em nome de todos os aprendemos a admirá-lo, deixamos aqui um profundo agradecimento pela sua obra e, sobretudo, por ter tido a paciência e a coragem de nunca ter desistido!
A Presidente da Direção